O cientista Carl Sagan costumava lembrar que nossa percepção é limitada. Assim como seres de duas dimensões não conseguem imaginar a terceira, nós também temos dificuldade em conceber uma quarta dimensão. É como se vivêssemos dentro de uma caixa invisível: acreditamos que a realidade se resume ao que conseguimos enxergar, medir e tocar.
Algo semelhante acontece com a nossa relação com a natureza. Muitas vezes nos percebemos separados dela, como se fosse apenas cenário ou recurso. Olhamos para a árvore como sombra, para o rio como água que mata a sede, para o alimento como produto que chega embalado às prateleiras. Mas a vida é sempre maior do que o recorte que conseguimos ver.
Donella Meadows, em Pensando em Sistemas, dizia que nada existe isolado: cada gesto, cada escolha, cada fluxo de energia está conectado a uma rede maior, onde tudo se influencia mutuamente. Esquecer essa interdependência é criar desequilíbrios que retornam para nós mesmos, seja na forma de doenças, crises ambientais ou fragilidade social.
Se pensarmos nos sistemas alimentares, isso se torna ainda mais evidente. O que chega ao prato não começa no supermercado: começa na terra, na água, nas sementes, na energia gasta para plantar, colher, transportar. Cada alimento carrega uma história que atravessa ecossistemas, trabalhadores, culturas e economias. Quando consumimos de forma inconsciente, reforçamos engrenagens que muitas vezes exploram a terra, as pessoas e os animais. Quando escolhemos com atenção, podemos apoiar práticas que regeneram o solo, preservam a biodiversidade e fortalecem comunidades locais.
O que Donella chama de “efeito-retorno” aparece aqui de forma clara: se priorizamos alimentos ricos em açúcares, sódio e gordura, o sistema responde com mais doenças crônicas e maior pressão sobre os serviços de saúde. Se insistimos em uma agricultura baseada apenas no lucro imediato, o solo se exaure, a água se contamina e a produção futura fica ameaçada. Por outro lado, se cultivamos práticas de respeito à natureza e à cultura alimentar, o sistema devolve saúde, diversidade e equilíbrio.
Talvez o convite seja esse: ampliar o olhar. Assim como Sagan nos desafiava a imaginar dimensões além da nossa, Donella nos chama a compreender os sistemas que nos atravessam e sustentam. A natureza não é “fora de nós”, mas a própria trama da qual fazemos parte.
E quando reconhecemos essa dimensão maior, entendemos o óbvio que tantas vezes esquecemos: somos natureza em movimento, respiração e memória — sementes e frutos, parte e todo.